O cozinheiro altruísta
A viuvinha se encontrava na porta, com os olhos fixos no avental do vizinho, famoso chefe de cozinha, convidado à sua casa - intimado - digamos, para preparar aquele badalado prato do seu restaurante de frutos do mar em Botafogo.
O real interesse do convite havia sido meticulosamente ocultado pela prática de um ordinário gesto de boa vizinhança.
Com efeito, a jovem viúva chamou para uma confraternização outros vizinhos que, misteriosamente, deixaram de ir à comilança. Nem o Aristides, conhecido bufão, deu as caras no evento.
Servido o robusto salmão encharcado de alcaparras, tratou a viuvinha de lançar seus pés sob o outro lado da mesa, levantando-o até o ponto alto de seu desejo, para o espanto do cozinheiro, em choque.
A perplexidade da vítima durou pouquíssimo.
Em um exercício mental sumário, o vizinho concluiu, afinal - tratar-se ele da refeição - e logo cuidou de atender os desvarios da esfomeada, dizendo para si mesmo, cinicamente, estar realizando um ato de altruísmo para o bem daquela pobre alma, tão jovem, tão bonita e tão viúva.
